sábado, 27 de fevereiro de 2010

Exobiologia - Alienígenas humanóides e a evolução da ciência no âmbito extraterrestre


As mudanças de conceitos e quebra de paradigmas durante algumas décadas


Via Láctea: um grão de areia no deserto, ou numa praia movimentada e repleta de vida?
Embora outras idéias não tenham jamais deixado de ser consideradas, até poucas décadas a hipótese da formação de nosso sistema solar por meio de um acidente cósmico raro, como uma quase-colisão entre estrelas, era a preferida pelo mundo científico. Pessoalmente, este autor ainda lembra-se de ter sido esta a única explicação que lhe foi ensinada, lá atrás, ainda no que hoje chamamos de primeiro grau [atual Ensino Fundamental]. Se realmente fosse tal fenômeno a origem do nosso mundo e de seus companheiros que gravitam ao redor do Sol, então a própria existência de planetas seria extremamente rara, e haveria uma boa possibilidade da Terra ser realmente um dos pouquíssimos pontos do universo onde a vida poderia existir.
Contudo, os avanços da astronomia e da astrofísica nos últimos anos tornaram possível a detecção, por diversos métodos, de vários planetas girando ao redor de outras estrelas em nosso entorno galático. Parece agora que o surgimento de planetas é a norma durante a formação dos sistemas estelares, ao invés de uma exceção e, como conseqüência, nossa galáxia – por extensão, todo o cosmos – é imaginada atualmente como estando coalhada de planetas dos mais diversos tipos e tamanhos. Não existem motivos para se imaginar que pelo menos uma pequena proporção dos mesmos não seja capaz de abrigar a vida. Como existem centenas de bilhões de sistemas estelares apenas em nossa galáxia, mesmo que apenas uma em cada milhão de estrelas fosse acompanhada por um planeta contendo formas de vida, ainda assim haveria centenas de milhares de mundos vivos espalhados pela Via Láctea. Por isso, a ciência atual considera ínfima a possibilidade de que nosso planeta seja o único ponto onde a vida se desenvolveu, inclusive pela característica marcante da própria: sua tendência à evolução, sob formas cada vez mais complexas em sua adaptação aos desafios do meio ambiente. É muito provável que a vida tenha avançado para formas inteligentes em diversificados ambientes e planetas, capazes de construir uma civilização.
Esse fato levanta a interessante questão de como poderiam ser estas criaturas inteligentes, evoluídas em outros mundos. Infelizmente, não temos atualmente nenhuma informação sobre como a existência poderia ter se desenvolvido em orbes diferentes da Terra e somos forçados a utilizar apenas o conhecimento que temos sobre a vida em nosso próprio habitat para tentar imaginar como se pareceriam os habitantes de outros sistemas estelares. De um modo geral, a maioria das pessoas aparenta imaginar que seres inteligentes extraterrestres seriam variações de nossa própria forma humanóide, com apenas alguns detalhes diferentes e, para verificar este fato, basta observar as descrições de alienígenas apresentadas nas histórias de ficção científica e nos relatos, não importa se reais ou não, de contatos com ocupantes de discos voadores. Será, contudo, que baseando-nos nos conhecimentos que possuímos sobre a biologia terrestre podemos mesmo deduzir que eventuais civilizações existentes em outros astros sejam formadas por pequenos homenzinhos cinzentos de olhos grandes, guerreiros com cascos de tartaruga na testa ou qualquer outra raça que poderia sem maiores problemas vestir uma calça jeans? O que já sabemos sobre o desenvolvimento da vida aqui na Terra que possa nos dar uma idéia do que esperar em outros mundos pelo universo? Sem entrar na complexa discussão sobre a origem da vida em si, neste artigo vamos verificar quais seriam os requisitos para que criaturas alienígenas pudessem adquirir um nível de inteligência comparável ao nosso, a ponto de poder formar uma civilização.
Vida e evolução - 
O primeiro ponto diz respeito à própria definição de vida. Apesar de não parecer, é muito difícil definir o que seja e ainda não existe uma definição universalmente aceita. Isso porque existem no mundo microscópico organismos que estão no limite entre a vida e a matéria inanimada, como os vírus e os príons, e não é muito fácil criar uma classificação que possa incluí-los juntamente com as formas animais e vegetais macroscópicas com as quais estamos mais familiarizados e que estão, com certeza, dentro dos padrões do que chamamos de “vivos”. Para o tema em discussão neste artigo, podemos em princípio ignorar estas formas limítrofes, pois não há como imaginar que possam, por si mesmas, criar uma civilização, que é o que nos interessa no momento. Assim, podemos adotar o conceito de que a vida é definida como sendo aquilo que pode interagir de forma ativa com o meio, retirando dele elementos para sua sustentação, crescimento ou procriação, e possuindo ainda a capacidade de auto-organização interna. Esta definição é bastante ampla para englobar entidades que possam ser bastante diferentes do estereótipo reconhecido aqui na Terra.
Contudo, considerando que a criação de uma civilização exige que as formas de vida em estudo não apenas sobrevivam, mas sejam também capazes de alterar, deliberadamente, o meio em que vivem, seres muito simples como bactérias e protozoários estariam fora do escopo de nossas elucubrações. Outras formas de vida são imagináveis, como a estranha biota do período Vendiano, cujos fósseis tem sido encontrados em camadas geológicas mais antigas do que o período que se considerava o mais recuado possível para a existência da vida multicelular. Alguns cientistas acreditam que pelo menos certos tipos de criaturas dessa época não apresentavam estrutura celular como a conhecemos, embora tivessem tamanho macroscópico. Porém, esta é uma proposição altamente especulativa e por isso não iremos desenvolvê-la nesse momento. Portanto, vamos neste trabalho limitar nosso estudo às formas de vida mais sofisticadas que realmente conhecemos, ou seja, animais e plantas multicelulares.
Uma vez definidas as criaturas às quais nos referiremos, podermos avançar para a questão de como formas de vida se tornam inteligentes, afinal. Para isso, inicialmente precisamos observar como a vida, em si, evolui. Ao contrário do que muita gente pensa, a evolução das espécies ao longo da história de nosso planeta não foi uma seqüência contínua de mudanças das estruturas mais simples para as mais sofisticadas, seguindo um caminho inflexível que levou inexoravelmente ao surgimento dos seres humanos. O que na verdade se observa é o surgimento de variações totalmente fortuitas nas populações de cada espécie, originadas por recombinações genéticas ou mutações, enquanto o meio ambiente exerce pressões que favorecem ou prejudicam a sobrevivência e a reprodução de determinados indivíduos, que apresentam características mais adequadas a sua adaptação às condições ecológicas do momento. Isso pode levar tanto no caminho da maior complexidade, quanto no da simplificação, dependendo das relações ecológicas específicas dos indivíduos e populações das espécies sucessivas em seus habitats. Por exemplo, peixes podem ganhar membros, pulmões e evoluir para dinossauros e mamíferos, mas estes podem também perder seus membros e voltar a viver na água, como seus ancestrais. No entanto, algumas características básicas das linhagens evolutivas tendem a se manter por mais ou menos tempo, por terem importância adaptativa muito grande. Os peixes mantiveram e reforçaram seus ossos ao subir à terra firme, ictiossauros e golfinhos mantiveram seus pulmões ao retornar para a água. O ponto mais importante a manter em mente é que as variações e a evolução decorrente delas não seguem nenhum caminho pré-definido, sendo totalmente aleatórias.

Aspecto humanóide: cabeça, tronco e membros. Seria uma regra universal para vida inteligente? Por que?
Cada forma de vida hoje existente sobre a superfície terrestre é conseqüência de uma sucessão imprevisível de mudanças ao longo de milhares ou milhões de gerações, e qualquer alteração nas condições adaptativas, ou mesmo simples eventos aleatórios no meio do caminho, poderiam ter levado ao surgimento de outras criaturas completamente diferentes. Como disse certa vez o conhecido astrônomo Carl Sagan, “se apenas uma libélula não tivesse morrido nos pântanos do carbonífero, hoje a forma de vida dominante em nosso planeta poderia ter três metros de altura e seis dedos em cada mão.” (ou algo assim). Dessa maneira, imaginar como poderiam ser os indivíduos de uma civilização extraterrestre não impõe razão para partirmos desde o princípio da forma humanóide e acrescentarmos depois características estranhas apenas para diferenciá-los de nós. Este recurso é muito usado por roteiristas de filmes de ficção científica, por facilitar em muito a caracterização de atores humanos como personagens alienígenas, mas não faz sentido do ponto de vista estritamente científico. O correto é verificar todas as possíveis variações que possamos conceber para as formas de vida em geral, identificar as características que nos parecem necessárias para uma raça ser reconhecida como inteligente, e então extrapolar aquela forma de vida imaginada para um ser que englobe estes traços peculiares. Praticado desta forma, o exercício de imaginar inteligências extraterrestres pode levar a resultados bastante interessantes. Vamos começar, portanto, verificando quais seriam as características de alienígenas que poderíamos reconhecer como inteligentes.
O sistema nervoso e suas implicações - A primeira delas seria a capacidade de reagir ativamente a estímulos externos, o que significa a presença de complexos órgãos sensoriais e de algo equivalente a um sistema nervoso sofisticado. Em nosso planeta, a grande maioria das formas de vida que consideramos mais inteligentes e evoluídas concentra sua atividade neurológica em uma massa de células especializadas chamada cérebro, que está conectado diretamente aos diversos órgãos de sentidos como visão, olfato e audição, bem como aos músculos do corpo, permitindo assim a execução de movimentos coordenados. Seres como as plantas ou as esponjas do mar, que não possuem um sistema nervoso diferenciado, nem órgãos especializados dos sentidos, não parecem ser candidatos adequados para evoluir e formar uma civilização. Desta forma tendemos a imaginar os seres alienígenas como também dotados de cérebros complexos, do mesmo tipo dos nossos. Embora a existência das células nervosas em si pareça ser uma exigência inescapável, será um cérebro compacto a única forma de organização possível para garantir a execução de atividades mais elaboradas por parte destas células?
Pelo que conhecemos, a resposta é não. Existem exemplos de formas de vida terrestres que não possuem um cérebro organizado e mesmo assim reagem ao meio ambiente, se deslocam, reproduzem e até caçam, tão bem como quaisquer outros animais. Entre eles, podemos citar os celenterados (como medusas e anêmonas), os equinodermos (como ouriços e estrelas do mar). Essas criaturas são capazes de reagir a diversos estímulos externos com movimentos bem distintos e organizados, a ponto de possuírem hábitos predadores e a capacidade de capturar presas, em princípio, muito mais evoluídas, como crustáceos e peixes, mesmo com seus sistemas nervosos dispersos – para isso, muitas espécies contam com a ajuda de células venenosas. Apesar da maioria delas parecer possuir uma capacidade apenas limitada de ação, pelo menos algumas são capazes de percepção apurada, execução de deslocamentos complexos e movimentos surpreendentemente coordenados. Quem já teve a oportunidade de observar um ofiúro (parente da estrela do mar com braços serpentiformes) buscando alimento pôde surpreender-se com a agilidade e determinação desses seres descerebrados. Assim sendo, não é impossível imaginar que nas condições adequadas criaturas sem cérebros bem definidos possam evoluir até alcançar a inteligência e criar uma civilização. E seres assim obviamente não precisariam possuir um crânio para proteger seu cérebro inexistente, na verdade nem mesmo uma cabeça para contê-lo. Com isso, seus órgãos dos sentidos poderiam estar localizados em diversas partes do corpo, ao invés de se concentrarem praticamente todos na cabeça, como acontece conosco.
Uma argumentação que se pode imaginar contra sistemas nervosos dispersos em criaturas evoluídas diz respeito à aparente fragilidade de uma estrutura neurológica assim. Danos mais ou menos extensos em muitas regiões diferentes do corpo poderiam afetar o sistema nervoso, o que impediria a recuperação das criaturas que eventualmente se ferissem na luta pela sobrevivência. Mas este argumento parte do princípio de que as células nervosas de seres alienígenas teriam a mesma dificuldade de se regenerar que as nossas, o que não precisa ser necessariamente verdade. Diversas espécies de nosso mundo, incluindo o exemplo extremo de alguns vermes platelmintos (como as planárias) podem regenerar grandes partes de seu corpo, incluindo aí suas células nervosas. É até possível que em nós, vertebrados, as células nervosas, principalmente as cerebrais, tenham perdido sua capacidade de reprodução justamente por estarem protegidas dentro de uma carapaça cranial. Talvez nesse aspecto, em termos cósmicos, nós sejamos a exceção e não a regra.
No outro extremo, também não existem garantias de que, caso criaturas inteligentes possuam cérebros, elas tenham que ter apenas um, como acontece conosco. Na era Mesozóica, em nosso próprio planeta, animais como o estegossauro possuíam um grande gânglio neural colocado na parte posterior do corpo, muito maior que seu próprio cérebro e supostamente responsável pela coordenação dos movimentos de suas pernas traseiras e cauda. Mais à frente, discutiremos outras criaturas bem atuais que também parecem funcionar assim. Pode-se, então, imaginar seres inteligentes com diversos “cérebros” distribuídos pelo corpo, desempenhando funções específicas. As variações possíveis vão muito além das duas cabeças gêmeas de alguns personagens da ficção científica.

Seria imprescindível a conformação e compartimentalização do cérebro conforme ocorre conosco?

A questão da simetria - O próximo ponto a analisar diz respeito às formas de simetria corporal. Nosso corpo possui o que chamamos de simetria bilateral, o que significa que temos um lado do corpo igual ao outro (ou pelo menos tende a ser mais ou menos igual). Mas novamente, temos exemplos de animais como estrelas-do-mar e pólipos de coral, que apresentam simetria radial e parecem conviver muito bem com isso. Não é realmente difícil imaginar que criaturas deste tipo pudessem ter se tornado dominantes na fauna de um mundo qualquer e gerado espécies avançadas com o mesmo tipo de simetria. Tais seres poderiam se deslocar deslizando sobre o substrato, como anêmonas, utilizar miríades de pequenas pernas, como e estrelas-do-mar, ou ainda andar sobre certo número de pernas fortes de movimento sincronizado, que sustentariam seus corpos longe do solo. Seus órgãos dos sentidos poderiam se distribuir uniformemente ao longo da circunferência, fazendo com que conceitos como “frente” e “trás” fossem estranhos para eles. É interessante imaginar como poderia ser a arquitetura e a engenharia de criaturas assim.
A simetria poderia ainda ser dorso-ventral ao invés de bilateral, como no grupo de animais conhecidos como braquiópodes, dos nossos mares. Seres assim poderiam ter um aspecto vermiforme, ou talvez se deslocar com movimentos de natação (ou de vôo) em mundos com atmosfera muito mais densa do que a nossa. Mesmo alguma forma de assimetria parcial poderia ser encontrada em formas de vida inteligentes que evoluíssem em outros planetas, do tipo que ocorre, por exemplo, nos pequenos caranguejos de mangue, que têm uma garra muito maior que a outra. Nós mesmos apresentamos certo grau de assimetria interna, pois alguns de nossos órgãos estão inclinados ou são colocados em apenas um dos lados do corpo. Apenas a total não-simetria parece ser incompatível com organismos mais evoluídos, ocorrendo em nosso planeta apenas em alguns tipos de poríferos (esponjas marinhas) menos desenvolvidos. No mínimo, uma falta total de simetria iria prejudicar o deslocamento em linha reta de um animal que a possuísse, e isto pode ser um impedimento para que uma forma de vida assim evolua.
Estruturas corporais - Quanto à estrutura de sustentação, que dá a forma e o aspecto geral do corpo, os requisitos para o desenvolvimento de espécies inteligentes aparentam ser mais restritos. No caso de orbes como o mesmo nível de gravidade superficial e densidade atmosférica que o nosso, nem todos os tipos de estruturas parecem adequados para o desenvolvimento de organismos complexos o suficiente para poderem desenvolver um nível avançado de inteligência. Por exemplo, em nosso mundo atual, os artrópodes terrestres (insetos, aracnídeos, miriápodes etc), que ao invés de um esqueleto interno possuem um exoesqueleto semelhante a uma armadura, formado por placas quitinosas do lado de fora do corpo, apresentam limitações severas quanto ao tamanho que podem atingir. Os maiores espécimes hoje existentes desses animais não passam de algumas dezenas de centímetros de tamanho e, devido à limitações mecânicas e respiratórias, eles não podem atingir tamanhos muito maiores. Portanto, as raças insetóides, de forma e tamanho próximas à humana, comuns na ficção científica (geralmente fazendo papel de vilões), não são muito prováveis, já que, em princípio, um sistema nervoso sofisticado o bastante para gerar o nosso nível de inteligência demandaria um corpo maior. No entanto, as limitações citadas acima se aplicam a cada segmento individual do corpo dos artrópodes, e não ao seu tamanho total. Um inseto com um abdômen ou tórax tão grandes quanto os de um homem seria extremamente frágil e, dificilmente, poderia se sustentar contra a gravidade de um planeta como a Terra, mas se seu corpo fosse composto de vários segmentos menores, então as restrições mecânicas não se aplicariam. O mesmo se dá com relação à respiração traqueal destes animais – não pulmonar, devido ao exoesqueleto rígido, o que causaria dificuldades em fazer seus pulmões se distenderem –, que tem pouca eficiência para uma atmosfera com o teor de oxigênio da nossa, mas poderia funcionar em um mundo com uma proporção maior de oxigênio.
Isso já aconteceu no passado, quando o oxigênio era mais abundante e viveram aqui seres como a libélula gigante Meganeura, com oitenta centímetros de envergadura, ou o enorme miriápode Arthropleura, similar a uma centopéia com mais de dois metros de comprimento e 50 kg de peso, maior do que muitos seres humanos inegavelmente inteligentes. Então, em princípio, nada impede que criaturas desse tipo alcancem a inteligência também, embora em nosso planeta os miriápodes não pareçam ser os artrópodes mais inteligentes e, sim, os insetos e aracnídeos. Fica aberta a questão do que poderia existir em mundos com gravidade menor que a nossa. Outra forma de estrutura que por aqui permitiu o desenvolvimento de um nível de inteligência admirável foi a dos moluscos cefalópodes. Animais como os polvos já mostraram em testes de laboratório possuírem um nível de inteligência perfeitamente comparável ao de mamíferos como os cães. Existem parentes do polvo muito maiores nos oceanos, como a lula gigante, com cérebros igualmente proporcionais. Em nosso próprio mundo essas criaturas jamais abandonaram as águas e talvez por isso não tiveram a mesma chance dos animais terrestres de evoluir e criar uma civilização.
No entanto, isso não parece ser um impedimento absoluto. Seus parentes moluscos gastrópodes (lesmas e caracóis) fizeram uma passagem bem sucedida para o ambiente terrestre e pode ser perfeitamente possível que, em outros mundos, criaturas similares aos cefalópodes tenham sido bem sucedidas neste aspecto também. É muito difícil imaginar o que uma linha evolutiva como esta poderia gerar em termos de espécies e indivíduos inteligentes, da mesma forma que a aparência de um primitivo peixe pulmonado não permite visualizar a subseqüente forma humana. Todavia, a primeira coisa que vem à mente é uma enorme lesma com olhos pedunculares e longos tentáculos, talvez com as pontas bifurcadas para facilitar a manipulação de objetos. Mesmo se nos limitarmos às formas vertebradas, que em nosso mundo foram as mais bem sucedidas no domínio dos ambientes terrestres, nada garante que elas tivessem a mesma estrutura básica dos serem humanos, com nossa forma bípede ereta, dois braços e uma cabeça. Somos assim porque em nosso mundo o ancestral comum de todos os vertebrados terrestres, um membro de uma ordem de peixes chamada de crossopterígios, era uma criatura com quatro barbatanas laterais – que deram origem às quatro pernas dos primeiros animais terrestres -, um tronco único e cabeça distinta, colocada na ponta da coluna vertebral. Mas nada garante que esta seja a única forma possível. Pode-se perfeitamente imaginar que o número de barbatanas laterais nesses espécimes fosse maior, o que seria perfeitamente funcional para um peixe e poderia levar a toda uma linha de vertebrados de seis, oito ou mais pernas, algumas das quais poderiam depois evoluir para braços ou asas.
Da mesma forma, a cabeça poderia ter-se mantido fundida ao resto do corpo, ou existir mais de uma (já mencionado anteriormente). Todas estas formas são fisiologicamente viáveis e, portanto, pode-se imaginar criaturas inteligentes vertebradas com formas muito diferentes não apenas da humana, mas também de qualquer outro animal vertebrado já surgido em nosso planeta. Um exemplo clássico seriam as formas centauróides, com dois braços, quatro pernas e corpos formando a letra “L”, como os centauros da mitologia grega (daí o seu nome), que também não são raras na ficção científica, mas muitas outras possibilidades podem ser imaginadas.

Típico exemplo de cefalópode, o polvo apresenta macroneurônios, ligados à inteligência. Poderiam, em circunstâncias favoráveis, desenvolver uma civilização?
Apêndices manipuladores - Mais um importante aspecto a considerar para que uma raça inteligente possa desenvolver o que chamamos de civilização, é a capacidade de criar e manipular objetos e ferramentas. Muitas espécies aqui na Terra mostraram poder utilizar pedras, galhos e mesmo partes de outros animais como ferramentas para executar tarefas específicas. Formigas podem utilizar folhas para construir seus ninhos, pássaros utilizam espinhos para fisgar larvas de troncos e golfinhos já foram vistos empregando peixes venenosos para capturar perigosas moréias. No entanto, as capacidades de manipulação destes animais são muito restritas, pois lhes faltam apêndices manipuladores mais sofisticados e eles são obrigados a utilizar suas bocas para segurar e empregar estas ferramentas. Assim é quase impossível manipular dois objetos ao mesmo tempo e, desta forma, na prática torna-se inviável a produção de objetos complexos, gerando os sistemas mais sofisticados que caracterizariam uma raça civilizada. Sem eles, não é possível que uma espécie, mesmo que inteligente (como exemplo, alguns acreditam que os golfinhos e/ou baleias sejam), possa criar uma civilização.
Portanto, uma característica que uma raça civilizada extraterrestre precisaria, com quase toda certeza, apresentar, seria a posse de apêndices manipuladores. Nossas mãos são excelentes exemplos desse tipo de apêndices, mas de forma alguma o único concebível. Em diversas espécies de crustáceos, como lagostas e camarões, observa-se a presença de quatro ou 6 pares de pinças articuladas, capazes de trabalhar em conjunto para segurar o alimento que buscam no fundo de mares e rios. Embora cada garra isoladamente seja menos eficiente que uma mão humana, pela falta de um polegar opositor, um conjunto de quatro ou 6, como possuem, poderia ser igualmente eficiente, bastando um sistema nervoso mais desenvolvido para comandá-las. Outra possibilidade é o uso de tentáculos não articulados, como os dos já citados cefalópodes. De fato, polvos e lulas já demonstraram em testes excelente capacidade de manipulação de objetos, existindo relatos de exemplares desses animais em aquários desmontando válvulas ou empilhando pedras para formar barreiras. A coordenação precisa dos movimentos de um grande número de tentáculos tão flexíveis quanto os dos cefalópodes pode parecer uma tarefa quase impossível, mesmo para um cérebro avançado como o nosso, mas pesquisas recentes indicam a possibilidade de que, pelo menos nos polvos, grande parte do controle de cada tentáculo seja efetuado pelo sistema nervoso contido nele próprio, o que simplificaria a tarefa para o cérebro central. Existe até mesmo um gânglio nervoso colocado na base de cada ventosa, permitindo controlá-las individualmente.
Contando com um sistema assim, conforme já mencionado anteriormente, não é tão complicado imaginar criaturas semelhantes a polvos evoluindo para uma raça inteligente e criando uma verdadeira civilização. Em nosso planeta, contudo, parece difícil que venha a acontecer, por dois motivos: primeiro, os cefalópodes daqui vivem por um tempo bem curto, apenas um ou dois anos e praticamente não existe convívio entre as gerações. Desta forma as capacidades de aprendizado transmitido, que são comuns em mamíferos e aves, não podem se desenvolver. E segundo, porque em ambientes aquáticos não é possível utilizar o fogo, que pode ter sido um avanço importante para o desenvolvimento da inteligência superior dos seres humanos. Mas quem sabe em outros planetas, com outras seqüências evolutivas? Existe pelo menos um relato de um polvo mantido em um aquário público que saía de seu tanque, deslocava-se até outro vizinho, comia peixes mantidos ali e, depois, voltava para sua “casa”. O que poderia acontecer se, ao longo das eras descendentes deste esperto cefalópode, se adaptassem a viver cada vez mais tempo fora d`água?
Braços, mãos, pinças e tentáculos não esgotam as possibilidades de órgãos capazes de manipulação. A tromba dos elefantes também é capaz de exercer este papel, apresentando em sua ponta uma capacidade de tato e apreensão suficiente para que os paquidermes arranquem tufos de plantas e os utilizem para espantar moscas, ou recolham delicadamente frutos macios em árvores elevadas e os levem até a boca sem lhes romper a casca. Se, ao invés de uma, os elefantes tivessem desenvolvido duas trombas – e nada impede que uma mutação cause este tipo de mudança, já que até mesmo animais com duas cabeças não são de todo incomuns –, eles teriam uma capacidade de manipulação bem próxima da humana. Considerando a possibilidade de evolução posterior, é fácil imaginar uma civilização avançada surgindo daí, como fizeram os o autores de ficção científica Larry Niven e Jerry Pournelle, em seu romance “Invasão”, onde uma raça dotada de trombas, que se subdividiam sucessivamente até possuir oito pontas distintas, atacava nosso planeta.
Conclusão - Considerando tudo o que foi exposto acima, fica evidente que imaginar a forma humanóide como a única ou mesmo a mais freqüente que poderia ser assumida por seres extraterrestres inteligentes é, no mínimo, um exercício de arrogância, em que imaginamos o universo à nossa própria imagem. Ainda que levemos em conta apenas o que conhecemos sobre a vida em nosso próprio planeta, é perfeitamente possível imaginar diversas formas físicas totalmente diferentes da nossa e, pelo menos, tão adequadas quanto ela ao desenvolvimento de um nível de inteligência superior e à criação de uma verdadeira civilização. Se lembrarmos ainda que, ao pesquisar o cosmos nas últimas décadas, acabamos descobrindo objetos e fenômenos totalmente distintos daqueles encontrados aqui embaixo, os quais nos eram totalmente insuspeitados anteriormente, como estrelas pulsantes, buracos negros, matéria escura e planetas gigantes ferventes, então podemos esperar que, além daquilo que podemos conceber neste momento, muitas outras possibilidades devem ser admitidas. E nossos irmãos inteligentes de outros sistemas solares podem ser criaturas que nosso intelecto não poderia nem mesmo imaginar.
É claro que pode haver motivos absolutamente desconhecidos que obriguem o surgimento apenas de civilizações compostas por humanóides nas miríades de mundos habitados que devem existir pelo universo. Talvez os místicos Campos Mórficos propostos pelo cientista britânico Rupert Sheldrake forcem a evolução apenas de corpos semelhantes aos nossos, ou quem sabe Deus teria uma predileção toda especial pela nossa forma específica. Mas aí já teríamos que entrar em outros campos que não o puramente científico e este não é o escopo deste artigo. Limitando nosso raciocínio ao que a ciência conhece atualmente e extrapolando a partir daí, a conclusão a que se chega é que a forma humana é, provavelmente, apenas mais uma entre as muitas possibilidades de desenvolvimento de formas de vida inteligentes que devem ocorrer em outros orbes.

Diversidade sem limites ortodoxos, esta parece ser uma das trilhas para investigação no século XXI

Da mesma forma que nossa psicologia, nossa estrutura social e mesmo nossos conceitos morais, são, em grande parte, ditados por nossa fisiologia e a forma de nosso corpo, outras civilizações no espaço, compostas por seres que possuíssem corpos fundamentalmente diferentes da forma humanóide, poderiam ter também desenvolvido padrões pensantes e comportamento muito distintos, não necessariamente coadunáveis aos nossos. Isso nos força a pensar então nas enormes dificuldades que temos em conviver com outros grupos perfeitamente humanos existentes em nosso planeta, e que se diferenciam apenas por usar uma língua diferente, ter a pele diferente ou acreditar em uma teologia um pouco distinta da nossa, e surge a inevitável pergunta: estaríamos realmente prontos a travar contato com outras raças, absolutamente inumanas que, porventura, viéssemos a contatar por rádio, ou que viessem nos visitar em avançadas naves espaciais? Seria o 
Homo sapiens realmente capaz de dialogar amigavelmente com esses “semelhantes”, que nos pareceriam monstros incompreensíveis?
Autor: Leandro G. Cardoso
Fonte: Recanto das Letras
Crédito da foto: Arquivo UFO/Hubble/Wikipédia/Cristian Soldano et al

Se um cachorro fosse o seu professor



Se um cachorro fosse o seu professor, você aprenderia coisas assim: 
Quando alguém que você ama chega em casa, corra ao seu encontro. Nunca perca uma oportunidade de ir passear. Permita-se experimentar o ar fresco do vento no seu rosto. Mostre aos outros que estão invadindo o seu território. Tire uma sonequinha no meio do dia e espreguice antes de levantar. Corra, pule e brinque todos os dias. Tente se dar bem com o próximo e deixe as pessoas te tocarem. Não morda quando um simples rosnado resolve a situação. Em dias quentes, pare e role na grama, beba bastante líquidos e
deite debaixo da sombra de uma árvore.
 Quando você estiver feliz, dance e balance todo o seu corpo. Não importa quantas vezes o outro te magoa, não se sinta culpado...volte e faça as pazes novamente. Aproveite o prazer de uma longa caminhada. Se alimente com gosto e entusiasmo. Coma só o suficiente. Seja leal. Nunca pretenda ser o que você não é. E o MAIS importante de tudo.... 
Quando alguém estiver nervoso ou triste, fique em silêncio, fique por
perto e mostre que você está ali para confortar.
 A amizade verdadeira não aceita imitações.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Homem e o Universo - Marcelo Gleiser

Somos criaturas espirituais num cosmo que só mostra indiferença.

Algo paradoxal ocorre quando nos deparamos com nossa "pequenez" perante a Natureza. Por um lado, vemo-nos como seres especiais, superiores, capazes de construir tantas coisas, de criar o belo, de transformar o mundo através da manipulação de matéria-prima, da pedra bruta ao diamante, da terra inerte ao monumento cheio de significado, dos elementos químicos a plásticos, aviões, bolas e pontes. Somos artesãos, meio como as formigas, que constroem seus formigueiros aos poucos, trazendo coisas daqui e dali, erigindo seus abrigos contra as intempéries do mundo.

Por outro lado, vemos nossas obras destruídas em segundos por cataclismos naturais, prédios que desabam, cidades submersas por rios e oceanos ou por cinzas e lava, nossas criações arruinadas em segundos, feito os formigueiros que são achatados sob as sandálias de uma criança, causando pânico geral entre os insetos.

O paradoxo se intensifica mais quando olhamos para o céu e vemos a escuridão da noite ou o azul vago do dia, aparentemente estendendo-se ao infinito, uma casa sem paredes ou teto, sem uma fronteira demarcada. E se pensamos que cada estrela é um sol, e que tantas delas têm sua corte de planetas, fica difícil evitar a questão da nossa existência cósmica, se estamos aqui por algum motivo, se existem outros seres como nós -ou talvez muito diferentes- mas que, por pensar, também se inquietam com essas questões, buscando significado num cosmo que só mostra indiferença.

O que sabemos dos nossos vizinhos cósmicos, os outros planetas do Sistema Solar, não inspira muito calor humano. Vemos mundos belíssimos e hostis à vida, borbulhantes ou frígidos, cobertos por pedras inertes ou por moléculas que parecem traçar uma trilha interrompida, que ia a algum lugar, mas, no meio do caminho, esqueceu o seu destino. Só aqui, na Terra, a trilha seguiu em frente, criou seres de formas diversas e exuberantes, compromissos entre as exigências ambientais e a química delicada da vida.
Se continuarmos nossa viagem para longe daqui, veremos nossa galáxia, soberana, casa de 300 bilhões de estrelas, número não tão diferente do total de neurônios no cérebro humano. A pequenez é ainda maior quando pensamos que a Terra, e mesmo o Sistema Solar inteiro, não passa de um ponto insignificante nessa espiral brilhante que se estende por 100 mil anos-luz. Porém, se o que vemos no Sistema Solar, a incrível diversidade de seus planetas e luas, é uma indicação, imagine que surpresas nos esperam em trilhões de outros mundos, cada um um grão de areia numa praia.

Ao olhar para o Universo, o homem é nada. Ao olhar para o Universo, o homem é tudo. Esse é o paradoxo da nossa existência, sermos criaturas espirituais num mundo que não se presta a questionamentos profundos, um mundo que segue, resoluto, o seu curso, que procuramos entender com nossa ciência e, de forma distinta, com nossa arte.

Talvez esse paradoxo não tenha uma resolução. Talvez seja melhor que não tenha. Pois é dessa inquietação do ser que criamos significado, conhecimento e aprendemos a lidar com o mundo e com nós mesmos. Se respondemos a uma pergunta, devemos estar prontos a fazer outra. Se nos perdemos na vastidão do cosmo, se sentimos o peso de sermos as únicas criaturas a questionar o porquê das coisas, devemos também celebrar a nossa existência breve. Ao que parece, somos a consciência cósmica, somos como o Universo pensa sobre si mesmo.

(Dedico esse texto ao meu querido Luiz, que hoje faz 60 anos. MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo")

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Codependência









Intrigante e até misteriosa, é a aparente perseverança com que alguns familiares, normalmente cônjuges e companheiros (as), se dedicam aos parentes com problemas de dependência, alcoolismo, jogo patológico ou outro transtorno grave da personalidade. Difícil entender como e porque essas pessoas suportam heroicamente todo tipo de comportamento problemático, ou até atitudes sociopáticas dos companheiros (as), como se assumissem uma espécie de desígnio ou “carma”, para o qual fossem condenados para todo o sempre.
Não se consegue compreender porque essas pessoas abrem mão da possibilidade de ser feliz ou de diminuir o sofrimento, permanecendo atreladas à pessoa problemática, suportando toda a tirania de sua anormalidade, como se esse fosse o único papel reservado pelo destino.
Os profissionais com prática no exercício da clínica psiquiátrica sabem das dificuldades existenciais dessas pessoas codependentes, ou seja, “dependentes” dos companheiros(as) problemáticos, quando estes deixam o vício. Parece que os codependentes ficaram órfãos, de uma hora para outra, perdidos e sem propósito de vida. Não é raro que passem elas, as pessoas codependentes, a apresentar problemas semelhantes àqueles dos antigos dependentes que cuidavam.
Codependência é um transtorno emocional definido e conceituado por volta das décadas de 70 e 80, relacionada aos familiares dos dependentes químicos, e atualmente estendido também aos casos de alcoolismo, de jogo patológico e outros problemas sérios da personalidade.
Codependentes são esses familiares, normalmente cônjuge ou companheira(o), que vivem em função da pessoa problemática, fazendo desta tutela obsessiva a razão de suas vidas, sentindo-se úteis e com objetivos apenas quando estão diante do dependente e de seus problemas. São pessoas que têm baixa auto-estima, intenso sentimento de culpa e não conseguem se desvencilhar da pessoa dependente.
O que parece ficar claro é que os codependentes vivem tentando ajudar a outra pessoa, esquecendo, na maior parte do tempo, de cuidar de sua própria vida, auto-anulando sua própria pessoa em função do outro e dos comportamentos insanos desse outro. Essa atitude patológica costuma acometer mães (e pais), esposas (e maridos) e namoradas(os) de alcoolistas, dependentes químicos, jogadores compulsivos, alguns sociopatas, sexuais compulsivos, etc.

O Codependente é Atado na pessoa problema
Uma expressão que representa bem a maneira como o codependente adere à pessoa problemática é atadura emocional. Dizemos que existe atadura emocional quando uma pessoa se encontra atrelada emocionalmente a coisas negativas ou patológicas de alguém que o rodeia; seja esposo, filho, parente, companheiro de trabalho, etc. Devida a essas amarras emocionais o codependente passa a ser quase um outro dependente (d pessoa problemática).
A codependência se manifesta de duas maneiras: como um intrometimento em todas as coisas da pessoa problema, incluindo horário de tomar banho, alimentação, vestuário, enfim, tudo o que diz respeito à vida do outro. Em segundo, tomando para si as responsabilidades do outra pessoa. Evidentemente, ambas atitudes propiciam um comportamento mais irresponsável ainda por parte da pessoa problemática.
Percebe-se na codependência um conjunto de padrões de conduta e pensamentos (patológicos) que, além  compulsivos, produzem sofrimento. O codependente almeja ser, realmente, o salvador, protetor ou consertador da outra pessoa, mesmo que para isso ele esteja comprovadamente prejudicando e agravando o problema do outro.
Como se nota, o problema do codependente é muito mais dele próprio do que da pessoa problemática e, normalmente, a nobre função do codependente depende da capacidade de ajudar ou salvar a outra pessoa, que sempre é transformada em vítima e não responsável pelos próprios problemas.
Por causa do envolvimento de toda a família nos problemas do dependente ou alcoolista, considera-se que o alcoolismo ou o uso nocivo de drogas é uma doença que afeta não apenas o dependente, mas também a família.

Sintomas da Codependência
A codependência é uma condição específica que se caracteriza por uma preocupação e uma dependência excessivas (emocional, social e a vezes física), de uma pessoa em relação à outra, reconhecidamente problemática. Depender tanto assim de outra pessoa se converte em uma condição patológica que caracteriza o codependente, comprometendo suas relações com as demais pessoas. Em pouco tempo o codependente começa a achar que ninguém apóia a pessoa problema (como ele), que ambos são incompreendidos, ele e a pessoa problemática, ambos não recebem o apoio merecido, etc.
O codependente tem seu próprio estilo de vida e seu modo de se relacionar consigo próprio, com os demais e com a pessoa problemática. Devido sua baixa auto-estima, ele sempre se preocupa mais com os outros do que consigo mesmo (pelo menos aparentemente).
A pessoa codependente não sabe se divertir normalmente porque leva a vida demasiadamente a sério, parecendo haver um certo orgulho em carregartamanha cruz, em suportar as ofensas, humilhações e frustrações. Como ele precisa desesperadamente da aprovação dos demais, porque no fundo ele mesmo sabe que está exagerando em seus cuidados com a pessoa problemática, procura ter complacência e compreensão com todos por uma simples questão de reciprocidade (quer que os outros também entendam o que está fazendo).

A codependência se caracteriza por uma série de sintomas e atitudes mais ou menos teatrais, e cheias de Mecanismos de Defesa, tais como:
1. - Dificuldade para estabelecer e manter relações íntimas sadias e normais, sem que grude muito ou dependa muito do outro
2. - Congelamento emocional. Mesmo diante dos absurdos cometidos pela pessoa problemática o codependente mantém-se com a serenidade própria dos mártires.
3. - Perfeccionismo. Da boca para fora, ou seja, ele professa um perfeccionismo que, na realidade ele queria que a pessoa problemática tivesse.
4. - Necessidade obsessiva de controlar a conduta de outros. Palpites, recomendações, preocupações, gentilezas quase exageradas fazem com que o codependente esteja sempre super solícito com quase todos (assim ele justificaria que sua solicitude não é apenas com a pessoa problemática).
5. - Condutas pseudo-compulsivas. Se o codependente paga as dívidas da pessoa problemática ele “nunca sabe bem porque fez isso”, diz que não consegue se controlar.
6. – Sentir-se responsável pelas condutas de outros. Na realidade ele se sente mesmo responsável pela conduta da pessoa problemática, mas para que isso não motive críticas, ele aparenta ser responsável também pela conduta dos outros.
7. - Profundos sentimentos de incapacidade. Nunca tudo aquilo que fez ou está fazendo pela pessoa problemática parece ser satisfatório.
8. – Constante sentimento de vergonha, como se a conduta extremamente inadequada da pessoa problemática fosse, de fato, sua.
9. – Baixa autoestima.
10. - Dependência da aprovação externa, até por uma questão da própria auto-estima.
11. - Dores de cabeça e das costas crônicas que aparecem como somatização da ansiedade.
12. - Gastrite e diarréia crônicas, como envolvimento psicossomático da angústia e conflito.
13. - Depressão. Resultado final

Parece um nobre empenho ajudar a outras pessoas que se estão se autodestruindo, como no caso dos alcoolistas ou dependentes químicos, do jogo ou do sexo compulsivos. Entretanto, se quem ajuda se esquece de si mesmo, se entrega à vida da outra pessoa problemática, então estamos diante da Codependência. A dor na codependência é maior que o amor que se recebe e se uma relação humana resulta prejudicial para a saúde física, moral ou espiritual, ela deve ser desencorajada.
Na realidade a codependência é uma espécie de falso-amor, uma vez que parece ser destrutivo, tendo em vista que pode agravar o problema em questão, seja a dependência química, alcoolismo, transtornos de personalidade, etc. Todo amor que não produz paz, mas sim angústia ou culpa, está contaminado de codependência, é um amor patológico, obsessivo é bastante destrutivo. Ao não produzir paz interior nem crescimento espiritual, a codependência cria amargura, angustia e culpa, obviamente, ela não leva à felicidade. Então, vendo desse jeito, a codependência aparenta ser amor, mas é egoísmo, medo da perda de controle, da perda da relação em si.

Disfunção Familiar
Na família da pessoa problemática as relações familiares e a comunicação interpessoal vão se tornando cada vez mais complicadas. A comunicação se faz mais confusa e indireta, de modo que é mais fácil encobrir e justificar a conduta do dependente do que discuti-la. Esta dificuldade (disfunção) vai se convertendo em estilo de vida familiar e produzindo, em muitos casos, o isolamento da família dos contatos sociais cotidianos. As regras familiares se tornam confusas, rígidas e injustas para seus membros, de forma que os deveres passam a ser distorcidos, com algum prejuízo das pessoas que não têm problemas e privilégios da pessoa problemática.
Como se vê, a conduta codependente é uma resposta doentia ao comportamento da pessoa problemática, e se converte em um fator chave na evolução da dependência, isto é, a codependência promove o agravamento da situação da pessoa problemática, processo chamado de facilitação. Mas, os codependentes não se dão conta de que estão facilitando o agravamento do problema, em parte pela negação e em parte porque estão convencidos de que sua conduta esta justificada, uma vez que estão “ajudando” o dependente a não se deteriorar ainda mais e que a família não se desintegre.
Costuma ser mais freqüente do que se pensa, as pessoas codependentes buscarem ajuda médica, porém, sem que tenham crítica de tratar-se de codependência. Antes disso, essas pessoas se queixam de depressão ou simplesmente de estresse.
Os profissionais de saúde que trabalham na área de dependências, correm sempre o risco de desenvolver codependência como resultado da exposição crônica à dependência dos pacientes.
As manifestações dessa codependência profissional são muito variadas, podendo dizer respeito à assumir franca e pesada responsabilidade pelo dependente, protege-lo das conseqüências de suas decisões, e dar-lhe sermões repetitivos, enfim, assumir atitudes que ultrapassam as funções do profissional.
Quando acontece a codependência em profissionais da área (médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, pessoal da enfermagem), normalmente não há uma crítica imediata da situação, senão a sensação de que todas as atitudes objetivam genuinamente ajudar o paciente. Entretanto, a codependência está longe de ajudar, sendo mais provável um agravamento da dependência ou uma facilitação.

O impacto que a família sofre com o uso de drogas por um de seus membros é correspondente as reações que vão ocorrendo com o sujeito que a utiliza. Este impacto pode ser descrito através de quatro estágios pelos quais a família progressivamente passa sob a influência das drogas e álcool:
1. Na primeira etapa, é preponderantemente o Mecanismo de Negação. Ocorre tensão e desentendimento e as pessoas deixam de falar sobre o que realmente pensam e sentem.
2. Em um segundo momento, a família demonstra muita preocupação com essa questão, tentando controlar o uso da droga, bem como as suas conseqüências físicas, emocionais, no campo do trabalho e no convívio social. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso abusivo de álcool e drogas instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que as drogas e álcool não estão causando problemas na família.
3. Na terceira fase, a desorganização da família é enorme. Seus membros assumem papéis rígidos e previsíveis, servindo de facilitadores. As famílias assumem responsabilidades de atos que não são seus, e assim o dependente químico perde a oportunidade de perceber as conseqüências do abuso de álcool e drogas. ? comum ocorrer uma inversão de papéis e funções, como por exemplo, a esposa que passa a assumir todas as responsabilidades de casa em decorrência o alcoolismo do marido, ou a filha mais velha que passa a cuidar dos irmãos em conseqüência do uso de drogas da mãe.
4. O quarto estágio é caracterizado pela exaustão emocional, podendo surgir graves distúrbios de comportamento e de saúde em todos os membros. A situação fica insustentável, levando ao afastamento entre os membros gerando desestruturação familiar.

Recuperação da Codependência
A codependência também pode ser agravante e desencadeante de depressão, suicídio, doenças psicossomáticas, e outros transtornos. Os grupos de ajuda para familiares de dependentes (químicos e alcoólicos) visam, principalmente, reverter este quadro, orientando os familiares a adotarem comportamentos mais saudáveis. Os profissionais acham que o primeiro passo em direção a esta mudança é tomar consciência e aceitar o problema.
O tratamento da codependência pode consistir de psicoterapia, grupos de auto ajuda, terapia familiar e em alguns casos, antidepressivos e ansiolíticos. Os grupos de auto ajuda para familiares de dependentes, tais como, Alanom e Codependentes Anônimos são de grande utilidade no processo de recuperação familiar da codependência.



Codependentes Anônimos
Nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos, Codependentes Anônimos são grupos de ajuda com metodologia de relato em grupo e do estímulo para observância de algumas recomendações disciplinares e de alguns passos.
A American Society of Addiction Medicine propõe três fases para o tratamento de famílias de dependentes químicos, sendo que o nível de intervenção varia de acordo com a meta de tratamento estabelecida, bem como as necessidades da família. A tabela abaixo sumariza os níveis de intervenção familiar de acordo com as fases:

Fase I:
- 1. Trabalhar a negação;
- 2. Interromper o consumo de substâncias

Fase II:
- 1. Prevenir recaídas;
- 2. Estabilizar a família, melhorando seu funcionamento.

Fase III:- 1. Aumentar a intimidade do casal, no plano emocional e sexual.

Segundo Neliana Buzi Figlie, psicóloga, especialista em dependência química, a Fase I tem como objetivo o dependente a atingir a abstinência. Para tal é importante auxiliar as pessoas a assumir a responsabilidade sobre seus comportamentos e sentimentos. Por vezes, alguns membros podem ser atendidos conjuntamente, enfatizando a diminuição da reatividade do impacto de um familiar nos outros. Ao pensar no modelo de doença, nesta fase é trabalhado o conceito de co-dependência. No referencial sistêmico, o foco centra-se na esposa definir uma posição de modo a quebrar o circulo repetitivo do funcionamento familiar e desta forma, auxiliar o dependente em sua recuperação. O referencial comportamental trabalha com a perspectiva de visualizar comportamentos do cônjuge que reforcem o comportamento aditivo, almejando a substituição por comportamentos que reforcem a sobriedade.

Na fase II, ainda segundo Neliana Buzi Figlie, o foco é identificar padrões disfuncionais na família como um todo, tanto na família de origem, quanto da família de procriação. Nesta fase é importante retomar rituais familiares e conforme o grau de dificuldade, o encaminhamento para uma psicoterapia familiar especializada pode ser realizado.

A fase III é definida como uma nova fronteira no tratamento da dependência química, sendo uma das áreas menos exploradas e talvez uma das mais controversas. Muito tempo após a cessação do consumo de substâncias, alguns relacionamentos continuam desgastados. Nesta fase o tratamento tem como meta aumentar a intimidade do casal e a participação de ambos no processo é fundamental.

Em termos de modalidades de tratamentos psicológicos, Neliana Buzi Figlie discorre sobre 4 tipos:

Grupos de Pares - onde os membros da família são distribuídos em diferentes grupos dependentes químicos, pais, mães, irmãos, cônjuges, etc. A interação entre pares é facilitadora de mudanças, uma vez que escutar de um par não é o mesmo que escutar de um profissional, porque o par passa por situação semelhante e não é alvo de fantasias e idealizações como o terapeuta.
Grupos de Multifamiliares - Através de um encontro de famílias que compartilham da mesma problemática, cria-se um novo espaço terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidariedade e ajuda mútua, onde as famílias se convocam para ajudar a solucionar o problema de uma e de todas, gerando um efeito em rede. Todas as famílias são participantes e destinatárias de ajuda.
Psicoterapia de Casal - onde os casais podem ser atendidos individualmente ou também em grupos, uma vez que o profissional tenha habilidades para conduzir as sessões sem expor particularidades que não sejam adequadas ao tema focado.
Psicoterapia Familiar - Aqui a é a abordagem mais especializada segundo um referencial teórico de escolha do profissional para a compreensão do padrão familiar e intervenção. Nesta modalidade se reúne a família e o dependente químico.
Olá, receba as boas vindas e um abraço.
Marcia

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