sábado, 18 de fevereiro de 2012

A chaminé do fogão a lenha, minhas tias e a jabuticabeira

Uma chaminé de fogão a lenha me transportou para a infância.

Naquelas tardes calorentas e empoeiradas, a meninada parava, a contragosto,  o jogo de queimada na rua de terra. Era minha tia berrando: “Meninas, venham tomar café.” Com essa chamada, deveríamos interromper um jogo sensacional e que estava no auge, para irmos comer pão com margarina e nescau, e beber leite puro de vaca com chocolate. Que delícia! A fome era tanta que comeríamos um saco inteiro de pães.

Corríamos para a cozinha do fundo da casa e comíamos em pé mesmo, para não perdermos tempo, enquanto minha tia continuava a fazer a comida do jantar e os pães, que comeríamos no dia seguinte. Ah! Aquele cheirinho de comida gostosa, feita no fogão a lenha. Aqueles bolos assados. Não há nada igual no mundo.

Mesmo porque a brincadeira na rua de terra, debaixo de um sol escaldante, tornava qualquer comida uma bênção. O estômago grudava nas costas, porque estávamos correndo desde a segunda hora após o almoço. Ninguém ligava para a fome, e queríamos continuar a correr e correr.

Noutros dias, andávamos de perna de pau por toda a cidade: calçadas, ruas, praças. Eu e minha prima íamos conversando, enquanto nossas longas pernas exploravam territórios perigosos, lisos, ásperos, claros, escuros. Lá íamos nós, falando e andando, falando e andando, é claro sempre sob o sol forte.

Outro local predileto era a praça. Lá nossa fantasia corria bem solta – princesas, namorados, amigas. Éramos personagens que inventávamos nos bancos de jardim, aqueles antigos, de pedra, curvos, totalmente integrados à arquitetura da praça. E as primaveras? Lindas, cheias de flores, formando aquele teto colorido sobre nossas cabeças. Éramos noivas, bailarinas e mulheres apaixonadas e sensuais de saltos altos.

Quando eu não tinha companhia para as brincadeiras, me enfiava sob a jabuticabeira da casa da minha outra tia, e esquecia de mim e do mundo. Era uma enorme sombra, como um grande chapéu. Sob aquela árvore imensa, o calor diminuía e ficava reduzido a quase nada. E, então, eu iniciava a culinária: bolinhos, tortas, croquetes de barro - terra molhada, amassada nas mãos, que ia tomando formas diversas, conforme minha fantasia. Que delícia aquela brincadeira! Minha fantasia viajava a quilômetros dali e voltava com novas descobertas. E as comidinhas iam sendo moldadas e assadas no forno. Entre todas as minhas preferências, a jabuticabeira era a supercampeã.

A casa da jabuticabeira ficava numa esquina. Eu ficava nas janelas imensas, com grandes venezianas, e acompanhava o movimento da cidade. Olhava tudo com olhos de: Quem está passando agora? Para onde está indo?

E, então, eu ouvia o carrilhão, o lindo relógio de chão do meu avô - bléim, bléim. Adorava olhar o vai-e-volta do pêndulo, elegante, imponente.
Porém, tudo o que é bom um dia melhora, e a noite chegava. Tínhamos, então, que tomar banho para ir passear na praça. Como se não bastasse o dia perfeito, a noite ficava melhor porque nos enchíamos de sorvete de todos os sabores – manga, abacaxi, limão, creme, chocolate – uma festa de sabores e cores.

Hoje, lembrando de tanta coisa boa, procuro trazer para minha vida essa alegria pura da infância, a total entrega às brincadeiras e a vontade de querer mais das coisas boas da vida.

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Marcia

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